PARADA GAY
Escrito por Ruy Barros
-- Mãe! Mãe! Corre aqui, mãe! Venha ver isso aqui! Tem um montão de gente lá na rua, andando. Gente esquisita, parece que estão fantasiados.
“Olha só! Tem um que está pelado!!! Venha ver! Olha só, mãe! Vem cá, mãe! Vem cá!”
Pedrinho, um menino muito esperto, filho único de Joana, observa, atento, as pessoas que caminhavam ao redor da praça que fazia frente ao edifício onde morava.
Joana, que estava na cozinha terminando de lavar a louça do almoço, não atendeu de imediato aos pedidos do filho e, este, insistentemente a interpelava querendo explicações do que estava acontecendo lá fora.
Pedrinho chamou novamente pela mãe, mostrando-se surpreso ao ver tantas pessoas reunidas onde algumas dançavam ao som estridente de um carro de som.
-- Vem cá, mãe! Vem! Vem cá! Venha aqui, ver o que está acontecendo!
Após muita insistência do menino, a mãe atendeu aos seus pedidos e foi observar o que estava acontecendo.
Da varanda do apartamento, ela disse:
-- Não é nada, meu filho. É só monte de gente sem nada o que fazer, perturbando o sossego dos outros.
Inconformado, Pedrinho quis saber o que era aquilo.
Então Joana olhou, olhou novamente e disse ao filho:
-- Olha, meu bem! É só um monte de veados vagabundos que não têm nada o quê fazer na vida e querem mostrar que podem alguma coisa.
-- Olha só, mãe! – disse Pedrinho. -- Tem uns que estão sem roupas. E tem umas mulheres muito estranhas, lá, também.
-- Não é isso, meu filho. Eles só querem se mostrar.
Antonio, que estava em um canto da sala lendo seu jornal, interveio e disse à irmã:
-- Joana! Não é isso! Explique direito ao Pedrinho o que está acontecendo. Ele já está ficando grande e precisa saber.
-- Mas ele só tem 12 anos, meu bem. Já chega “você” na família!
-- Olha, aqui, maninha! Veja como fala, você não é exemplo. Veja o que você é. Nem sabe ao certo o pai da criança.
“O que acontece lá fora não é uma diversão, uma festa.”
Pedrinho, então, perguntou:
-- Então, o que é, tio?
-- É uma Parada. Uma Parada Gay.
Pedrinho olhou, observou e disse:
-- Mas, estão todos andando e dançando... Como é uma parada? Não entendo...
A observação de Pedrinho resultou em muitas risadas de sua mãe e tio, quando este disse:
-- Pedrinho! O que acontece lá fora é uma manifestação pacífica onde as pessoas chamam a atenção das outras para que essas pensem no que está acontecendo à sua volta, na comunidade, no mundo.
“É preciso despertar nas pessoas o sendo de observar, ficar atento às transformações. E, assim, as pessoas crescem, amadurecem e transformam as coisas, a vida, o mundo. Tudo têm seu começo e é um processo lento e, por vezes, penozo, que pode interferir e causar dor, mas, é assim a lei da vida e tudo tem o seu tempo, o seu momento. E, para tanto, é preciso estar sempre atento. As coisas mudam, as árvores crescem, as pessoas se transformam. É preciso observar as coisas ao nosso redor com muita atenção, notar como tudo se transformar e aprender que as mudanças são necessárias e fazer o homem, o ser humano, evoluir.”
-- Antônio, deixa disso. – disse sua irmã. – Ele é só um menino e pouco entende das coisas, da vida, do que é evoluir, crescer e morrer.
-- Não, minha irmã. Não é bem assim. – asseverou com segurança e objetividade, Antonio, dizendo então. – É preciso preparar desde a mais tenra idade o espírito observador e atento das pessoas e dessa maneira e só assim o futuro adulto terá condições de aceitar e participar do processo evolutivo do qual faz parte. E isso se faz despertando a curiosidade, a atenção, a observação pelo novo, pelo inusitado.
“Preste atenção, Pedrinho! O que acontece lá fora é uma manifestação onde as pessoas que lá estão mostram que são iguais a eu e você, à sua mãe, ao vizinho aí do lado, iguais a todos nós, têm fome, sede, têm uma casa e uma família.”
“Eles querem apenas mostrar que têm atitudes, preferências e comportamento diferente da maioria, mas, são pessoas normais que amam, que choram, que sorriem e que estão, sim, vivas, fortes e presentes e que fazem parte desse mundo, do nosso mundo e que merecem respeito porque são parte de um todo onde nós também estamos e dele fazemos parte.”
“A vida não é um fator excludente e, dela, todos fazemos parte, tudo está inserido.”
-- Eu gosto muito de você, meu tio, muito mesmo. – disse Pedrinho, correndo ao encontro do tio que o amparou; e os dois se abraçaram com muito carinho e respeito sob o olhar sereno e tranqüilo da irmã que também se orgulhava do homem que estava ali, passando um pouco de sua experiência para aquele menino curioso.
E, este, por sua vez, mostrando-se muito interessado, perguntou ao tio:
-- Tio! Posso fazer uma pergunta ao senhor? Posso, tio? O senhor me responde?
-- Pode fazer. – disse o tio.
Pedrinho falou:
-- O senhor sabe me dizer como pegou aquela doença? Pode, tio?
Antonio mostrou-se um pouco apreensivo, muito surpreso e um pouco relutante, dizendo que sim e abriu seu coração para que o menino perguntasse o que já esperava.
-- Tio! Como foi que o senhor pegou AIDS?
-- Eu te conto, Pedrinho! Eu te conto, sim! Já é hora de você saber dessas coisas também.
“Mas isso é uma história...”